terça-feira, 16 de junho de 2009

http://www.forum-brasil.de/

Deixo-vos o site do Fórum Brasil de Berlim, onde parece que estarei na próxima sexta-feira, dia 19 de Junho, em conversas e em leituras à volta do livro "Fecha a Porta Devagar". Quem puder, dê lá um salto, quem não puder, salte sozinho:).

Agradeço desde já a gentileza do Fórum e envio "aquele abraço" à minha amiga Paula Guidugli que, seguramente, vai fazer o possível para que eu não "desconverse" e vai achar isso impossível...
Espero que apareça alguém. Prometo autógrafos e dedicatórias com menos de 20 linhas:)!

Até breve!

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Flaschenpeople

Não se deixem arrebatar pelo título, isto não é uma história de super-heróis.

Pode ser antes uma actividade alternativa para os arrumadores de carros, ou para aquelas pessoas que insistem em lavar o pára-brisas do carro, quando o semáforo está vermelho e que invariavelmente o deixam mais sujo do que estava, ou para as mães tristes que seguram numa mão um cartão amarelado a dizer que o filho, que trazem na outra mão, sofre de uma doença incurável e sequer tem o que comer, ou para os outros que simplesmente estendem uma mão à moeda, enquanto o resto do corpo parece adormecido debaixo do rosto caído.

Eu explico: “Flasche” é a palavra alemã para “garrafa” e “people”, penso que é já uma dessas palavras inglesas que não precisa de tradução, mas que numa atitude de esclarecimento exacerbado, eu traduzo aqui por “pessoas”. Equivale isto a dizer, que o meu título quer significar (embora muitos linguistas possam insurgir-se contra a atitude insolente e inconveniente de inventar e acrescentar léxico, coisa já de si extensíssima e cansativa), “ as pessoas-garrafa”.

O homem, a mulher ou a criança-garrafa são uma das figuras mais típicas de Berlim. Estão por todo o lado e têm uma actividade incansável, especialmente produtiva nos domingos de churrasco no parque, ou nas imensas manifestações culturais de rua, que vão desde a Love Parade (parece-me que esta deixou de se realizar, mas fica como exemplo), onde se consomem hectolitros de cerveja e aí uns 20 litros de água, ao Carnaval das Culturas, onde os mesmos hectolitros de cerveja são consumidos, mas devido às inúmeras advertências à importância do consumo de água (e porque supostamente no carnaval é obrigatório dançar), a soma de 20 litros aumenta exponencialmente, fixando-se aí nos… 24,5 litros, digamos. Se tivermos em consideração que o Carnaval das Culturas teve números de visitantes e participantes que ascenderam aos 700.000, o que eu quero, obviamente, deixar aqui frisado é que discordo completamente dessa teoria universal de que os alemães bebem muita cerveja. Parece-me óbvio pelo assinalado, que o que eu acho é que eles bebem muito pouca água e isso intriga-me.

Mas esta coisa que a mim apenas intriga deve preocupar e irritar bastante um homem, mulher ou criança-garrafa. É que as garrafas de cerveja são normalmente de vidro e mais pesadas do que as normais garrafas de plástico, esse recipiente de ouro para um bom “flashman”, mas a questão do peso físico será coisa de somenos para estes trabalhadores independentes e livres. O que, de facto, é importante notar é que o retorno recebido por cada garrafa de vidro entregue é de € 0,08, enquanto que o depósito de uma garrafa de plástico é de cerca de €0,25. Eu não sou pessoa de contas e até posso estar errada, mas parece-me isto uma actividade absolutamente rentável e um belo complemento ou até um substituto aprazível do “Hartz IV”, que é o nome que eles dão ao rendimento mínimo, eliminando assim de uma assentada o mau gosto de usar as palavras “rendimento” e “mínimo” e, melhor do que isso, a conjugação vergonhosa das duas.

Não se pense, no entanto, que isto seja uma actividade que não requer o seu conhecimento e a sua sabedoria empírica, aliás, tenho suspeitas de que haverá, num futuro próximo, quem se ponha a defender teses de mestrados e de doutoramentos sobre o assunto. A mim maravilha-me deveras que eles consigam discernir a dez metros de distância do objecto, se ele é um insignificante invólucro de tara perdida ou se assinala fabulosos cêntimos do euro à espera de serem recolhidos.

Ontem, por exemplo, estava no parque e o incessante trânsito destas figuras em redor de mim e do meu grupo começou a ser perturbador. Eles até sofrem de um certo estigma de delicadeza: inclinam o tronco, como se fizessem uma vénia, esticam o indicador, quando a artrose assim lhos permite, e perguntam qualquer coisa, invariavelmente imperceptível, a que um ausente grupo de gente responde “ja”, sem se reterem mais tempo nos gestos que fecham o ritual. Eu, na qualidade de portadora da única garrafa de plástico do grupo, senti-me por várias vezes observada e iria jurar que até houve quem fizesse um compasso de espera, até que eu esvaziasse de vez a garrafa, mas a nenhum deles valeu de muito essa atitude vigilante.

Ao cair da noite, quando saímos do parque, havia ainda uma roda de garrafas de vinho vazias (provavelmente as garrafas que contiveram o melhor e mais caro líquido da tarde), que eu tratei de levar para o contentor. Essas não interessavam obviamente a mais ninguém. A minha garrafa de plástico vazia chegou até casa, dentro da minha mochila, lugar de onde só sai para se encher com mais água da torneira.

Neste momento, juntamente com um saco azul de lixo orgânico (único saco azul que até hoje possuí, assinale-se), esperam-me na cozinha dois caixotes com cerca de 20 garrafas de vidro e 3 ou 4 de plástico (e isto não quer dizer que eu me tenha tornado tão alemã, que beba pouca água, pois como já referi, o meu depósito de água é público e mais ou menos gratuito). Mas, parva que sou, ainda não aprendi a separar a tara perdida das outras… Acho que vou ter que fazer muitos estágios com”flaschepeople” nos parques, mas por agora, vou ali ao “Kaisers” trocar garrafas por pão.

sábado, 13 de junho de 2009

Daqui vê-se nenhures

Baseada nas premissas de que tudo quanto dizemos e escrevemos tem um fundo incontornável de inspiração real e outro tanto de aspiração à realidade, e supondo que tudo o resto é ficção, atrevo-me então a supor um dia na vida da escritora supostamente menos lida de um suposto país do sul da Europa (chamemos-lhe Portugal), actualmente residente no país supostamente mais rico da Europa (chamemos-lhe Alemanha) e que hoje às horas a que escreve já teve um dia razoável de trabalho braçal.
Vamos supor que a escritora supostamente menos lida de Portugal trabalha no serviço de quartos de um hotel e que hoje já desfez e fez cerca de 20 camas, limpou o pó aos móveis de 10 quartos, lavou banheiras e sanitas e aspirou quantidades incontáveis do pó da alcatifa mais feia de que tem memória. Vamos supor que a escritora levou 6 horas e 45 minutos para realizar essas tarefas e que a entidade empregadora do país supostamente mais rico da Europa resolve pagar-lhe apenas 3 horas de trabalho. Neste caso, tanto importa dizer que cada hora é paga a 2 como a 20 euros, pois o que importa para isto da vida é a contagem do tempo e o da escritora supostamente menos lida de Portugal está a ser mal contado.
A escritora supostamente menos lida de Portugal assistiu e cooperou durante duas semanas (abusivamente bem contadas) com este esquema de exploração de uma classe, que numa atitude de compreensível autofagia se parece a si própria demitir do conceito de classe e que até se encolhe perante o conceito de humanidade.
Vamos supor que este serviço é diariamente realizado por 6 pessoas e que todas se confrontam com a mesma realidade diária. Dessas 6 pessoas, para além da escritora supostamente menos lida de Portugal, que como facilmente se adivinha, é portuguesa, há também o rapaz dos olhos extraordinariamente bonitos estragados pela conjuntivite, que é palestiniano e que até há dois anos morou junto à Faixa de Gaza; a rapariga mãos de Hanne, que inventa intervalos para devorar cigarros e que é marroquina de Rabat; a turca não se sabe de onde porque já mora na capital do país supostamente mais rico da Europa vai para 20 anos e continua a comunicar, apenas, num turco sofrível, como diria a turca número dois (se conhecesse o conceito de sofrível), que é a sub-gerente desta gente toda; e por último, vamos supor que haveria uma alemã, oriunda não do país supostamente mais rico da Europa, mas da outra Alemanha, que não é esta, é uma que vive intensamente esmagada na memória de quem sabe que isso de ser o país supostamente mais rico da Europa, a ser verdade, não tem interesse nenhum para quem diariamente paga o leite e o pão com o depósito das garrafas vazias que os outros não querem.
Vamos supor que estas pessoas, onde se inclui a escritora supostamente menos lida de Portugal, vivem numa “realidade paralela”. Teremos então que supor que existe outra realidade, que a si própria se pode auto-denominar de “realidade paralela”. No tocante a isto, o que a escritora supostamente menos lida de Portugal tem dificuldades em perceber é se estas duas realidades sabem uma da outra ou se mandam dizer por uma terceira realidade.
Vamos supor que a escritora supostamente menos lida de Portugal deixa de ser a escritora menos lida de Portugal para ser uma escritora lida assim e assim em Portugal, mas continua a ser a escritora menos lida na Alemanha. Poderá, então, uma tal escritora fazer parte, em simultâneo, das duas realidades paralelas e de uma terceira (aquela que manda dizer, a realidade dos recados ao povo e ao poder)? Ou terá ela simplesmente que inventar uma terceira realidade, onde ininterruptamente esprema palavras para uma espécie de sebenta, que ninguém abre, porque será sempre sabido que essa é a sebenta da empregada de limpeza de um hotel qualquer do eixo Ocidente/Leste da capital do país supostamente mais rico da Europa.
Vamos supor que tudo isto não passam de suposições. Vamos supor que já todos vislumbramos o lugar aonde queremos chegar. E deixemo-nos estar, a ver a paisagem vazia de nenhures.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Shape your way

If I could see you for a second
Or fake a touch for a second
With my dry lips
In your lonely lips
With my uncertain hands
In your certain hips

(Expanding my wishes
Expanding my seconds
Into your second wish)

Only if I could do so
I wouldn’t be missing you
So
Come along with me
Hand in hand with my
Uncertainty
Come along with me
Cross the world with me
Shape our place
With both hands in my face

Even if I may not be me
Or you may not see me
Even so

Fake a way, take a way

Even if you know
That’s not the right way
Even so

Fake a way, take a way

Even if you can’t find me
In your way
Even so

Take a way, fake a way

Tell me the great lie
I can take it
I won’t die
I shall keep it instead
Till my body drops dead
So
Never mind
Take my body
Shape your way.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Outono no Parque

Como se diz “folhas” em alemão?
Perguntei.
Perguntei ao senhor idoso que sorriu
De ignorância ainda posta no banco de jardim
Perguntei ao jovem ofegante
Sempre no caminho da bola
Entre as folhas
Perguntei à orgulhosa jovem mãe
Que sorriu, empurrando o carrinho
Entre as folhas
Perguntei:
“Wie sagt man “folhas” auf Deutsch”?
Entre as folhas
Não perguntei ao trintão triste
De olhos postos no chão
Só porque tinha os olhos postos no chão
Entre as folhas
Ou só porque estava triste
Entre as folhas
Não perguntei ao pai fotoembebecido
Porque a sua objectiva era outra
Entre as folhas
Não perguntei à menina simpática do bar
Só porque ela era simpática
Wie sagt man…
Não perguntei à mulher linda
Que ainda agora me lançou um olhar cúmplice
Que ainda agora ia escrever sobre ela
Entre as folhas
Wie sagt man…
Perguntei-me a mim
Entre as folhas
How do you say “folhas” in German?
How do you say leaves in Portuguese?
Wie sagt man…
How do you say “leaves”?
It leaves me no choice
Não sei dizer folhas
Sei ver
Sei sentir
Sei quanto me pesam no olhar
Quanto me pesa o olhar
Entre as folhas
Que não sei dizer
Auf Deutsch
Wie sagt man…