domingo, 25 de setembro de 2011

Apresentação em Almada


Há sensivelmente um ano, recebia a notícia do Prémio Literário Cidade de Almada-2010 como um agradável acrescento aos meus dias felizes. Há um ano a felicidade parecia não ter fim, ao contrário do que ouvi dizer numa canção de Vinicius de Moraes: “tristeza não tem fim, felicidade sim”. Sempre quis e sempre consegui contrariar esses versos, tirando à felicidade esse estigma do efémero. Ainda agora, apesar de saber e de viver a infinitude da tristeza, teimo em não avistar um fim à felicidade.

Hoje esta pessoa que fez em “zapping sobre as madrugadas idênticas” um conjunto de reflexões sobre as inquietações mais lúgubres do ser humano, percebe cabalmente aquilo que escreveu. Era escusado, digo eu falando com o meu próprio percurso. Preferia mil vezes que a literatura permanecesse na caixa de ferramentas que se vai buscar ocasionalmente à despensa e, que nos facilitam e compõem a edificação da vida. O leitmotiv que me impulsionou para a escrita deste livro (tentar perceber como consegue o ser humano resistir à tragédia) saiu definitivamente do registo da especulação e da observação com a recente perda do meu sobrinho Luís, a quem sigo devota de um amor incondicional.

O amor no epicentro da vida. Sim, a vida: essa possibilidade que nos acontece a todos. Viver é uma possibilidade. Viver no epicentro do amor é uma opção, a maior e a melhor opção que cada um pode tomar, parece-me. É por essa razão que estou hoje aqui em zapping (quer este estrangeirismo signifique troca, mudança, exercício do poder ou a ilusão que às vezes temos, enquanto criadores, de que podemos controlar o tempo, e que tendo esse controlo, temos as rédeas de tudo).

Este “Zapping” hoje é feito com o André Soares, porque sei como gosta de ir pela palavra aos lugares cimeiros do pensamento humano, sei como gosta da partilha, mas sei essencialmente como consegue desprezar a palavra, quando em disputa com um abraço. É por essas razões que o André e o seu filme “pela palavra”, excelente homenagem à poesia e à sua universalidade, uma soberba sinfonia babilónica, um saber estar nos lugares a que se vai - Porque sei que o André nunca vai a lugar nenhum sem o compromisso de se pôr em esquadria com as pessoas desses lugares, como o provará este documentário. Mas a razão maior nem é essa e nem se quer camuflada: o André está aqui por uma razão muito mais premente e óbvia (espantem-se e protestem se quiserem!): O André está aqui porque é meu amigo e porque nem eu, nem ele, por muitas contrariedades que nos surjam, saberemos abdicar da possibilidade de contagiar com amor quem nos acompanha, ou abdicar dessa possibilidade capital, que é a vida.

O livro, esse, prefiro destacá-lo destas vivências essenciais e tratá-lo como aquilo que é: um objeto. Será um objeto com alguma literariedade, certamente, será um objeto suscetível ao toque, mesmo na sua ausência, será um objeto que por vezes se confunda com um ser vivo. E é exatamente assim que o tenho tratado, desde que, na minha cabeça, se afigurou que se tratava de um livro, este objeto passou a ter vida própria. Tem sido assim a sua distribuição: independente e livre, emancipado pela sua estrutura externa e interna, numa entrega cuidada, que me leva a alterar o próprio conceito de distribuição de livros: o “zapping sobre as madrugadas idênticas” é o único livro deste país que está a ser partilhado, ao invés de distribuído, como qualquer outra mercadoria. Se o adquirirem, continuem essa partilha que a si próprio se impôs.

Resta-me agradecer a todos quantos estiveram e continuam de pedra e cal a acompanhar este processo cujo primeiro ciclo se encerra, hoje, em Almada, no lugar onde se iniciou a sua partilha. À cabeça, a minha agente e amiga Maria do Sameiro Mendes, incansável e inestimável faz-tudo promocional deste livro, à Herdade da Malhadinha Nova pela companhia nas leituras públicas, regadas com os seus vinhos; à Armandina Maia por nos acompanhar a mim e ao livro com o cuidado e atenção que guardamos apenas para os que nos são muito; ao João Candeias e José Correia Tavares, que (também) souberam distinguir o livro entre tantos; à Câmara Municipal de Almada, por ser um exemplo raro na consideração da cultura, em geral, e da literatura em particular como um dos pilares do “nosso dever de ser gente”, nas palavras de Cesariny. A minha devota amizade ao André Soares e à Elena Alves que hoje darão voz às minhas palavras, agora vossas. Mas também a todos os que se atreveram já em leituras públicas e outras cumplicidades e que por exercício de soberba vou aqui nomear, enquanto me parece que escrevo no lugar exato onde sempre quis escrever: na barriga do tempo, nos nossos ventres.

A António Durães, Manuela Martinez, Luísa Fontoura, Luís Novais, Bruno Malheiro, Marta Peixoto, Jorge Louraço, Hugo Curado, Vasco Freire, Anabela Campos, António Ferra, Hannes Reis, Liliana Palhinha e Elsa Fernandes.

Ao Luís, que representará sempre o melhor trecho que alguma vez ajudei a escrever.