terça-feira, 2 de abril de 2013

Faltam 30 dias para a estreia: "um sonho de outono", de Jon Fosse


De hoje a exatamente um mês tenho uma estreia. Falo disto não como se fosse uma personagem ou um alter-ego, a enunciação de um delírio, ou a construção sarcástica de uma opinião, como tenho tantas vezes feito neste blogue. Falo disto porque é real e porque quero que saibam, que apesar de a crise não exercitar minimamente a criatividade (nem na cozinha, como li outro dia da voz do Gonçalo Waddington) e de nos estar a privar de quase tudo (a mim muito particularmente), ainda há duas coisas que vão resistindo, sem grande estoicismo, diga-se: o amor e a arte.
Agora que falo nisso, lembro-me que talvez uma coisa não exista sem a outra. Sem querer ser prolixa, mas já sendo, vou clarificar esta ideia: não há arte sem amor, assim como não há amor sem arte. Não estou para discutir o que é uma coisa ou outra: todos entendemos a sua irritante incompreensão e todos aceitamos a sua existência. E claro que quando digo todos refiro-me a um número cada vez mais reduzido de gente, com uma louvável permeabilidade a alguma beleza.
Sim, de hoje a um mês tenho uma estreia. Eu e mais “meia dúzia de líricos”, que insistem neste país, que ainda não desistiram de aqui fazerem gente: a Alcinda que vem dos Arcos de Valdevez (de onde eu sou e ela não), O Sérgio que vem da Póvoa do Lanhoso, de onde poderia vir de transportes públicos, se os houvesse neste país; A Sameiro, a quem os dias nunca sobram, mas que é gente de sobra para os dias; o Fidalgo, que há uma vida que saiu do Alentejo e que aqui vive com a mesma parcimónia com que, seguramente, o faria lá; O Luís, para mim um privilegiado, porque pode veicular a sua arte e o seu amor (pela arte) em terreno talvez ainda fértil, porque ensina, porque transmite e porque (estou muito segura disto!) é capaz de o fazer soberbamente. E o Braga, que é de Braga e tem a particularidade de não gostar de teatro - e a lata de o dizer- enquanto prepara as luzes; O Paulo a dar-nos música com tanta humildade e um entendimento maior… E o Afonso, que sabe que o teatro é a maior arte do mundo e sabe-o com muita alegria e muitos medos e tanta dor!
De hoje a um mês todos temos uma estreia. Gosto de repetir isto. Gostava muito que o país onde vivo percebesse a alegria que isto é, sentisse a alegria que isto é, sentisse que isto existe, que isto é verdade, é autenticidade, que isto é ser-se humano, que isto é teatro. Se não fosse o país inteiro, gostava que pelo menos os amigos percebessem isto. Os amigos que, exatamente, de hoje a um mês inventarão mil desculpas para não irem à estreia, desculpas que lhes darão mais trabalho do que estar lá… Que se amanhem todos nas suas prioridades! - Continuarão a ser meus amigos, por isso é meu dever avisar-lhes: olhem que de hoje a um mês é dia de estreia! (E eu não volto a avisar).