sexta-feira, 27 de junho de 2014

Um mundo madraço: se não dá trabalho, faço!


As redes sociais são, como se sabe, um espelho completo da humanidade. Acredito mesmo nisto, não estou a usar de ironia, que é coisa que eu só não gasto se não puder MESMO! Faço delas uma utilização conveniente, como acho que acontece a muita gente: aproveito os posts com notícias dos amigos espalhados pelo mundo para ter uma noção do que o mundo espalha, porque aqui onde estou não me chegam jornais e, desde que as edições online do PÚBLICO e do EXPRESSO me começaram a ameaçar com a leitura de apenas mais um artigo, deixei de lhes dar importância. Sou assim: amuo com jornais nacionais! Enfim, feitios!...
No fundo eu queria era falar do Obama e do seu minutozinho de impubescência nas cerimónias fúnebres do Mandela: aquele acto que disseminou o selfie à escala global e imparável da estupidez. Nem sei bem como me referir ao selfie, qual é o género da palavra? - Masculino, Feminino, Neutro… Electrão?!
Enfim, não deixa de me maravilhar a forma como certos actos se tornam num fenómeno de popularidade tão grande! O que eu não percebo é como é que um sucedâneo do auto-retrato (a palavra é masculina, portanto) ganha tamanho esplendor. É preciso referir que Van Gogh se matou à custa de tanta produção desse género. Quer isto dizer que nos espera uma sociedade de selfie-suicidas em massa? – Não me parece. Van Gogh matou-se de trabalho! Aquilo requeria muito esforço: ficar em frente ao espelho, horas e horas a fio, munido de cavalete, pincéis, tintas e um sentido de precisão e múltiplas intenções e até mutilações, que, muito provavelmente, o conjunto de jovens que se selfie-selfou (apostou que nem o Mia Couto se lembraria disto!) às portas de Auschwitz sob a inscrição “arbeit macht frei” deveria estar longe de compreender. Muito provavelmente, a sua atitude, e a do Obama certamente também, está nos antípodas dessa noção do trabalho que glorifica. Na verdade, este é só um mundo madraço: se não dá trabalho, faço!

 A minha pouco perturbável indolência é bastante compreensiva com esta atitude do mundo moderno: o trabalho nem liberta, nem compensa, nem dá “likes” nas redes sociais. Já um acutilante larápio, a displicência, a estupidez e o voyeurismo arrastam multidões!

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Eu, de bola e de política...

Eu, de bola e política, não sei nada. Nem parece bem a uma mulher meter-se nessas coisas!
Devíamos andar por meados da década de 80 e enunciados como este eram muito comuns. Ouvia-os da boca das minhas avós, das vizinhas, das comadres. Isso é bom é p’rós homens. E era, devia ser… não tenho bem a certeza. Sei que na mercearia do meu avô se discutia muito a bola, com grandes caralhadas e exaltações, mas que acabava sempre tudo em bem. Já com a política, não era bem assim… Não, não me refiro à qualidade do discurso, que a retórica era sempre a mesma, quer se tratasse de bola, política ou divisão das águas para a rega. Refiro-me ao acabar tudo em bem. Lembro-me de assistir ao início (ou seria já o auge, não sei que a minha avó arrastou-me dali, prudentemente) de um enorme tumulto, onde a mulher de um dos mais exaltados, com o pretexto de o acalmar, aproveitou para lhe esmurrar o nariz. – Foi aí que percebi por que não deve uma mulher meter-se nesses assuntos: se o macho sai em prejuízo, convém afastar a fêmea…
Mas os tempos eram outros e a política só se discutia quando acabava a bola. Hoje não é bem assim… que digo eu? – Não é nada assim, hoje os tempos são outros! É a maturidade da democracia, a educação, os discursos polidos em 4x4x2, na verticalidade dos passes, no entrosamento do médio ala com o avançado, e às vezes até com a baliza, tudo se entrosa no fundo, excepto quando a bola não entra na baliza adversária – aí é que está o caralho e volta tudo ao que era!
Confesso que já gostei de tudo isto um bocadinho. Adorava jogar à bola, era boa de bola, até tenho medalhas! Nestes campeonatos do mundo até sentia um certo júbilo, até dizia nós até jogámos bem, nós perdemos, mas lutando; nós isto, nós aquilo e, de facto, sentia uma espécie de multidão em mim. Confesso que tudo isso se esvaneceu. Ontem pus-me 5 minutos em frente ao televisor e nesses 5 minutos devo ter bocejado umas dez vezes. É que aquilo é chato, é mesmo chato, não há volta a dar-lhe! Sou capaz de ficar 5 horas a ver uma partida de ténis, mas sozinha, sem tremoços, cerveja e a algazarra dos amigos à minha volta, tudo aquilo me parecem movimentos ridículos e sem sentido.

O futebol nunca devia ter saído do registo do recreio: havia uma bola, um dono da bola, jogava-se à bola e o jogo acabava quando o dono da bola levava uma abada. Mais do que isso, é política e nós ainda não estamos preparados para isso.
Quando começa o campeonato?

Anos de vida

O que nos prende à vida é a depuração que enjeitada e continuamente lhe fazemos às esquinas, os vértices que limamos mesmo depois da sua aparente perfeição. O que nos prende à vida é ela não estar nunca completa, mesmo quando nos parece que acaba.
Não tenho o hábito de reflectir sobre a vida, porque a própria vida tem arranjado maneira de me pôr nela reflectida. Mas hoje há gente, que me interessa que celebra anos de vida, os anos deles, onde eu também estou, puseram-me a pensar naquilo que nos falta fazer. Sobre os aniversariantes em causa sei de um ou dois sonhos por cumprir e sei que cada um deles vai fazer por conservar esses sonhos ou vai cozinhando outros no processo de sonhar estes. É gente que ama o sonho, que ama o sonho da vida.
Antes, muito antes do meu sobrinho mais velho nascer há 22 anos, já a Paula era minha amiga e sonhava. Creio que, apesar desta coincidência da data e de eu coincidir no meio deles há tanto tempo, com tanto amor, nunca se encontraram. Não são caso único: há uma série de gente na minha vida desde que eu me lembro de ser gente que nunca partilharam o mesmo espaço.
Sei que não faço das minhas parcas glórias uma divulgação excessiva, mas ainda assim, partilho coisas de muito menor interesse do que isto de celebrar amorzades. Devia fazê-lo todos os dias. Devíamos ter uma celebração por dia, um amigo para e com quem celebrar a vida todos os dias. E eu, se não me distrair, talvez até tenha sem recorrer a grandes depurações, até porque a amizade não está num dos vértices da vida, está bem no miolo e não se aperfeiçoa à base de limas. Nada está completo a não ser esse miolo. A vida continua já a seguir, deixando tudo por fazer.

Parabéns, meus amores!

terça-feira, 10 de junho de 2014

A propósito do trabalho em "a voz humana"...

O mais complexo jogo de mentira e verdade joga-se em palco. Em nenhum outro lugar a verdade é tão escrutinada. Em nenhum outro lugar se sentem tão curtas as pernas da mentira, do contrariar o sentir, que é o que define a mentira, no fundo.
 Em nenhuma outra situação a realidade é tão cruel, porque é o actor que a impõe a si próprio e com ela vive por momentos únicos, mesmo que isso contrarie toda a sua natureza. Para ser verdadeiramente livre na representação, o actor deve autocorrigir-se, mas deixar de lado a autocensura – tarefa quase sempre complicada, porque a censura faz parte do trabalho do actor. Daí que um actor que se
autodirige só pode ter tiques de fascista. Esse trabalho censório, ou de limpeza, se preferirmos assim, é feito pelo olhar do encenador (externo ao acto de representar em si, mas não aos seus sentidos). O encenador é o único responsável pela administração da razão. O actor não pode nem deve ser razoável. É uma tremenda luta interna, mas acima de tudo, em palco procuro perder a razão, deixar-me levar.
Era isto que vos queria dizer: o triunfo de um actor é nunca achar-se sozinho. Nem no seu sentir, nem na verbosidade. O estar em palco, ainda que num monólogo, como é o caso aqui, é a reunião mais absoluta de humanidade. O actor não deve nem pode distrair-se de si nem do público, mas se o público se distrai de si e do actor, o actor fracassa. Aqui reside a maior crueldade da representação: é no fracasso que o actor fica sozinho, precisamente quando mais precisava de alguém.
Penso nisto porque me têm confrontado com o suposto acto de coragem de me fazer a um monólogo. Ainda para mais, este monólogo! Não considerava que isto fosse um acto de coragem e, em si só, não o é. O enquadramento que faço da coragem é outro: ter coragem é criar relações e mantê-las. Ter coragem é abdicarmos de nós. Ter coragem é cuidar. Ter coragem não é falar, é saber escolher os momentos para se dizer. Ter coragem é saber falhar. Ter coragem é ser contraditório e assumir as contradições. Isto digo eu de mim para mim e, no fim de todas estas assumpções, concluo que tudo isto se congrega em palco.

Sei bem que um monólogo não admite falhas e, então, aqui, a minha noção de coragem é mais abrangente em palco do que fora dele. Eu, no entanto, não sou corajosa: tenho apenas uma dose excessiva de loucura: representar é o modo mais eficaz de repor os índices de lucidez. Contraditório?! – Talvez. Há que viver com isso.